Crescimento de Cristais de Proteínas

A chave para o entendimento de muitas funções biológicas passa pelo crescimento e posterior analise de cristais de proteína. Milhões de dólares e de horas tem sido investidos para produzir pequenos cristais que, se quase perfeitos em sua estrutura, podem revelar informações importantes sobre a estrutura molecular das proteínas. Deve-se ter em mente que os cristais em si pouco valem e, uma vez que os dados sejam deles extraídos, podem ser descartados, pois é o conhecimento sobre as macromoléculas de proteínas que é fundamental. Existem mais de 100.000 variedades de proteínas cujas funções vão do transporte do oxigênio e de outros produtos químicos através do sangue, da formação de componentes de músculos e de pele até, o mais importante para as pesquisas atuais, a luta contra doenças. Alguns locais em certas proteínas, quando modificados ou deformados, podem causar doenças ou outras funções indevidas, do mesmo modo que organismos externos também podem afetar o funcionamento correto de certos processos. Os cientistas muitas vezes conhecem a composição química destas proteínas mas não conhecem sua estrutura que, para a mesma composição química, implicam em comportamentos totalmente distintos de acordo com esta estrutura espacial. A partir da visualização espacial é necessário detectar qual o trecho da proteína que causa o mal. Entendendo e localizando estes locais, pode-se projetar medicamentos que bloqueiem ou que tornem inativos seus efeitos. O problema é que as proteínas são tão pequenas que não é possível vê-las individualmente, quanto mais encontrar nelas locais específicos, ou seja, é muito difícil determinar sua estrutura atômica. Para melhor enxergar estas peças chaves da regulagem do corpo humano, os cientistas crescem cristais. Um cristal de proteína é um conjunto tri-dimensional de moléculas no qual cada uma possuí a mesma orientação num mesmo ambiente químico, mantendo o mesmo tipo de relação com suas vizinhas. O efeito que existe ao se conseguir colocar todas estas moléculas nesse arranjo é o da amplificação. Uma molécula solitária produz um sinal tão fraco que é impossível de detectar; mas como todas as moléculas do cristal estão fazendo exatamente a mesma coisa no mesmo exato instante de tempo, o sinal é amplificado sendo então passível de detecção e, a partir dele, desvendar o sinal de uma única molécula. Quanto mais ordenadas forem as moléculas do cristal, melhor o nível de sinal e melhor a informação que poderá ser passada aos projetistas de medicamentos.
A primeira observação sobre a cristalização de uma proteína foi feita por F. L. Hünefeld em 1840 na Universidade de Leipzig na Alemanha, trabalhando com hemoglobina. Logo em seguida outros grupos começaram a crescer cristais de hemoglobina através da diluição de corpúsculos sanguíneos em água ou éter, deixando a solução evaporar-se lentamente. Desde então, os cientistas não pararam mais de crescer cristais de proteína com o único propósito de purifica-las.
A partir de 1930 os pesquisadores entenderam a importância dos cristais como fontes de informação sobre a estrutura das moléculas de proteínas e começaram a utilizar a técnica de difração de raios-x. O feixe de raios-x incide sobre o cristal que o espalha em pequenos pontos de luz que impressionam um filme, e a figura de difração formada por estes pontos esta relacionada com a estrutura da molécula. Os especialistas em difração de raios-x passaram os anos 60 investigando milhares de cristais de proteínas. Por volta de 1970, com o aperfeiçoamento e digitalização das técnicas de difração, chegou-se à conclusão de que os cristais existentes não mais atendiam a precisão de medida agora alcançada. Eram necessários novos métodos para crescer cristais com maior qualidade.

Um método de crescimento de cristais que já era amplamente utilizado é aquele onde se coloca uma solução salina junto com uma solução de proteína; quando as duas soluções entram em contato, o sal começa a afetar o solvente da proteína, concentrando a solução da proteína até que a mesma comece a se cristalizar. Os cristais resultantes eram, no entanto, frágeis e pequenos.
Suspeitou-se que a causa para a produção de cristais de baixa qualidade era a convecção constitucional que ocorre devido a diferença de densidades sob a ação gravitacional (ver Convecção). A convecção constitucional acontece quando as moléculas de proteínas se difundem da solução se adicionando ordenadamente à rede do cristal que está sendo crescido. A fração da solução que está mais próxima das bordas do cristal fica então com uma concentração de proteína menor (região de depleção) que a do resto da solução, e portando com menor densidade. Está solução menos densa tende a subir, enquanto a solução mais densa tende a afundar sob a influência da aceleração da gravidade, criando fluxos convectivos perto do cristal. Estas correntes de convecção são deletérias pois podem alterar a orientação e posição das moléculas de proteína quando elas estão se adicionando à rede cristalina, causando desordem no cristal.

Convecção constitucional (ou induzida por diferença de densidades) que ocorre quando uma molécula de proteína vinda da solução próxima do cristal se incorpora à rede cristalina. A camada de solução em torno do cristal (região ou zona de depleção) fica com uma concentração menor, e portanto menos densa, de proteína, forçando a camada a subir. O restante mais denso da solução afunda devido a aceleração da gravidade g, criando fluxos que dificultam a introdução ordenada de novas moléculas de proteína ao cristal.

Outro efeito adverso no crescimento de cristais em ambiente gravitacional é a sedimentação. Pequenos cristais se deslocam para o fundo de uma gota da solução quando adquirem uma massa maior do que àquela suportada pela gota em suspensão. Quando isto acontece, cristais parcialmente formados podem cair no topo um do outro formando diferentes sítios de nucleação que continuarão a crescer individualmente, não permitindo o crescimento de um único cristal (monocristal) de alta qualidade necessário aos estudos de difratometria.
O primeiro experimento em microgravidade, para testar a importância dos efeitos de convecção na qualidade dos cristais de proteína, foi feita na Inglaterra a bordo de um foguete de sondagem num vôo de apenas seis minutos. O vídeo do experimento mostrou que o crescimento do cristal foi bem diferente dos obtidos em gravidade terrestre, provando que a redução dos fluxos convectivos permitiu a incorporação das moléculas através apenas de processos de difusão. A seguir a NASA enviou no Space Shuttle, enzimas de beta-galactosidase e proteínas de lisozima, para melhor estudar os fenômenos de cristalização em microgravidade. Ambos os cristais crescidos no espaço se apresentaram maiores e de melhor qualidade. Com a seqüência de vários experimentos posteriores se comprovou a real vantagem do crescimento de proteínas na ausência da gravidade.

À direita, uma foto de cristais de insulina crescidos em microgravidade que se apresentam maiores e mais bem estruturados do que aqueles da mesma proteína crescidos na Terra (foto à esquerda), que resulta em cristais menores e não tão bem ordenados. Com os cristais de insulina crescidos no espaço é possível um estudo cristalográfico muito mais apurado para determinação de sua forma e função, importantes para o tratamento da diabetes.

Várias questões foram então abertas sobre o crescimento de cristais de proteína: como o fluxo do fluído afeta o crescimento? Como a microgravidade poderia reduzir a nucleação, que na Terra tende a acontecer muito rápida, e produzir muitos cristais de pequeno tamanho em vez de apenas alguns poucos de grandes proporções? Quais novos tipos de técnicas e equipamentos poderiam ser utilizados em microgravidade para otimizar os resultados e aumentar o número de amostras transportadas?
Um equipamento disponível pela NASA desde de 1995, o Equipamento para Cristalização de Proteínas em Microgravidade (PCAM), aumentou a capacidade de transporte  e facilitou carregamento de amostras para o vôo. Com ele foi possível obter  cristais de proteína muito maiores e mais perfeitos possibilitando determinar, posteriormente,  estruturas e sítios ativos nunca antes visualizados.
As outras questões continuam sendo investigadas até hoje. O crescimento de uma proteína se inicia com uma solução supersaturada, isto é, com uma quantidade de moléculas de proteína maior do que aquela possível de se dissolver em um dado solvente, o que torna o sistema termodinâmicamente instável. O problema é então conhecer a solubilidade ideal de uma determinada proteína para que o cristal cresça da melhor forma possível. Normalmente em laboratórios no solo, isto pode ser determinado por tentativa e erro; é porém muito custoso, senão impossível no espaço. Já existem, no entanto, métodos que determinam, através da luz de um laser espalhada pela solução, qual diluição é mais favorável à cristalização.
Uma vez determinada a melhor solução, geralmente é empregado um de dois métodos para o crescimento de proteínas: difusão de vapor ou difusão líquido/líquido. Ambos objetivam equilibrar a solução da proteína e a de um precipitante. No PCAM o método utilizado é o de difusão de vapor, onde uma gota da solução da proteína sofre uma certa evaporação, para torná-la mais concentrada, criando um sítio de nucleação para a posterior formação do cristal. Já a técnica de difusão líquido/líquido, emprega uma célula com duas câmaras separadas, e consiste na difusão de uma solução salina, ou de algum outro precipitante, de um dos compartimentos para o outro compartimento onde se encontra a solução de proteína. Conforme a concentração de sal aumenta, a água da solução de proteína é retirada, fazendo com que sua concentração aumente e ela comece a se cristalizar.

Sistema utilizado para crescimento de cristais de proteínas em microgravidade, por difusão de vapor, fabricado pela Spacehab, Inc. Possuí cerca de mil células de crescimento que são acondicionadas em uma gaveta (locker) no veículo orbital, mantida em temperaturas controladas. Estes tipos de equipamentos, costumam possuir perfis de evaporação e gradientes de temperatura controlados.

Quando o cristal cresce aparece uma competição entre a cinética de transporte e a cinética de ligação das moléculas; conforme as moléculas se aproximam da superfície do cristal, elas tem que se ligar fortemente ao mesmo para que se obtenha um cristal de alta qualidade.
Este é um dos principais estudos feitos atualmente, tanto do ponto de vista teórico como experimental, utilizando-se técnicas de difração de raios-x e microscópios de força atômica. Questões como de que forma são feitas as ligações de moléculas individuais na superfície do cristal, quais as forças envolvidas, qual sua velocidade de crescimento, estão sendo respondidas com o auxílio da microgravidade. O nível de supersaturação e a taxa de crescimento afetam o arranjo cristalográfico e a quantidade de defeitos que ocorrem nos cristais.

Foto de um cristal de proteína obtida com um microscópio de força atômica (AFM), revelando um defeito de deslocação do tipo hélice dupla em sua superfície.

Difração de raios-x de um cristal de proteína com estrutura bem ordenada, criando um padrão de pontos bem definidos no filme, permitindo que um modelo da molécula de proteína seja gerado por computador.

O raio-x interage com a nuvem de elétrons que forma a estrutura externa de cada átomo da molécula de proteína. Num cristal imperfeito o aspecto dos pontos de difração é difuso. Uma figura de difração de raios-x bem definida como a mostrada acima, permite a construção de um mapa da densidade de elétrons, através do qual é possível determinar a estrutura espacial da proteína e gerar modelos por computador. Estes modelos permitem o entendimento do funcionamento da proteína e também a determinação de sítios e áreas receptoras ativas, que controlam sua função e ação no desenrolar de, por exemplo, uma doença. A partir deste conhecimento a pesquisa farmacêutica pode projetar moléculas que se encaixem nos sítios ativos da proteína, bloqueando sua ação, sem afetar o resto do corpo.
Exemplos de modelos de proteínas que estão sendo investigados para o projeto de drogas farmacêuticas são a insulina e o estafilococo tipo A, um dos principais causadores de infecção hospitalar. Atualmente cerca de 185 diferentes tipos de proteínas, RNA, DNA e vírus são pesquisados apenas no programa de microgravidade da NASA. Com o início da operação da Estação Espacial Internacional, prevê-se uma atividade ainda muito maior neste setor.
Cristais que crescem devagar em microgravidade, terão agora um tempo muito maior para se desenvolverem completamente, com a vantagem de não passarem pelos freqüentes distúrbios de aceleração (g-jitters) que ocorrem no Space Shuttle. Ficará também mais viável o acompanhamento dos resultados, podendo repetir-se várias vezes os experimentos com os ajustes necessários para se obter cristais melhores e maiores para que se possa utilizar, inclusive, técnicas de difração de neutrons que, interagindo diretamente com o núcleo dos átomos ao contrário da difração de raios-x, que interage com suas nuvens eletrônicas, poderá evidenciar com maior precisão os sítios ativos das proteínas.      
Também novas facilidades estão sendo planejadas para a ISS: espera-se ter a bordo, entre outros equipamentos, microscópios de força atômica e até um laboratório completo de crescimento de proteínas com gerador de raios-x de baixa potência para analise in situ dos cristais de proteína crescidos em microgravidade. Desta forma não seria mais necessário trazer os cristais de proteína para a Terra com todos os riscos do transporte e do tempo de espera de retorno, podendo serem analisados diretamente no espaço e suas imagens transmitidas para a Terra.