Vantagens da utilização da microgravidade

A microgravidade é uma ferramenta poderosa  para o melhor entendimento de questões fundamentais da ciência, visando encontrar soluções para problemas terrestres. Desta maneira ela permite otimizar e melhorar processos físicos, químicos e biológicos que são importantes na ciência, engenharia e medicina.
A utilização da microgravidade começou já nos primeiros anos dos programas espaciais, com experimentos a bordo da Apolo, Skylab e Apolo-Soyus durante os anos 60 e 70.
A motivação para estes estudos era freqüentemente puramente científica, na tentativa de melhor observar certas leis fundamentais e fenômenos básicos. A história porém logo demonstrou, como por exemplo no caso dos materiais semicondutores, que respostas à questões puramente científicas, logo puderam ser aplicadas praticamente para o desenvolvimento de processos e sistemas e até, as vezes, levaram à descoberta de novas aplicações de grande impacto industrial e comercial.
A ausência de efeitos gravitacionais significa, por exemplo, que a diferença de temperatura num fluído não produz efeitos de convecção, sedimentação e flutuação, simplificando o processo a ser observado. Sem o acréscimo dos fluxos convectivos, causados pela força da gravidade terrestre, torna-se possível estudar fenômenos de fluxo laminar, oscilatório e turbulento, gerados por outras forças. Com seu melhor entendimento e controle, torna-se possível aumentar a eficiência das usinas de energia elétrica, de processos industriais e da produção alimentícia e farmacêutica.

A foto a ao lado mostra pequenas bolhas de gás sendo carregadas do fundo de um recipiente aquecido para sua superfície, por fluxos convectivos produzidos pela gravidade; na foto b, a ausência de gravidade, e por conseguinte a ausência de convecção e empuxo, permitem que as bolhas de gás aquecido aumentem de tamanho e permaneçam por muito mais tempo junto ao fundo do recipiente.


Em ciência dos materiais a microgravidade auxilia a melhorar o entendimento da formação, da estrutura e das propriedades dos mais diversos tipos de materiais. A ausência de gravidade é fundamental para entender a função da convecção, sedimentação e pressão hidrostática na solidificação e no crescimento de cristais, na formação de materiais semicondutores eletrônicos e opto-eletrônicos, ligas, metais, compósitos, cerâmicas, vidros e polímeros.

A foto a direita mostra a secção de um corte longitudinal de um cristal semicondutor de germânio dopado com gálio, crescido num experimento em foguete de sondagem.
A porção inferior do cristal, que foi solidificada sob influência gravitacional, mostra variações na concentração de gálio, evidenciadas pelos estriamentos aleatórios.
A porção superior do cristal, crescida em condições de microgravidade, indica a ausência de convecção induzida pela aceleração da gravidade, permitindo uma mistura homogênea ao longo de todo processo de solidificação do líquido.
Os riscos brancos na parte superior são marcas propositais para marcar a velocidade do crescimento.

A biotecnologia envolve a pesquisa, manipulação e produção de moléculas biológicas, tecidos e organismos vivos. Ela tem se beneficiado do ambiente de microgravidade para crescer cristais de proteína, células e tecidos.
As proteínas consistem de milhares de átomos fracamente ligados para formar grandes moléculas, e o corpo humano possuí mais de 100.000 diferentes tipos de proteínas vitais a vida. Da mesma forma os vírus, por exemplo, também possuem proteínas essenciais a sua atividade.  O objetivo é então determinar a estrutura das proteínas e, partir dai, projetar drogas que interfiram em sua atividade. A determinação da estrutura dos cristais de proteína é geralmente feita por difração de raio-x, que requer cristais relativamente grandes, homogêneos e livres de defeitos. No entanto, a gravidade terrestre dificulta o processo de crescimento deste cristais, devido a efeitos dos fluxos convectivos (produzidos pela diferença de densidade causada  pela diferença de temperatura entre regiões da solução), e da sedimentação (separação de materiais de diferentes densidades), que inibem o seu crescimento. Em microgravidade os fluxos convectivos são muito reduzidos, e os cristais crescem numa solução muito mais estável. Da mesma forma, a ausência de sedimentação não permite que os cristais afundem e sejam afetados por outros cristais que estão iniciando seu crescimento na mesma solução. Com isto é possível de se obter cristais com qualidade e tamanho para terem sua estrutura analisada.

A figura ao lado é um modelo, gerado por computador, de um cristal de proteína essencial ao parasita que causa a doença de Chagas, que afeta o coração e o trato intestinal. Pode-se, a partir do conhecimento de sua estrutura cristalina, projetar medicamentos que interagem com a proteína para inibir sua função, curando a doença.
Medicamentos baseados na estrutura das proteínas, estão sendo utilizados para o tratamento de doenças como AIDS, câncer e diabetes.

Outra área da biologia que se beneficia da microgravidade é a cultura de células e tecidos. A  cultura de tecidos humanos, tanto normais como cancerosos, é uma grande promessa para aplicações médicas como, por exemplo, transplante de tecido em queimados. Entretanto, com os métodos convencionais da Terra, efeitos de fluxo e sedimentação separam as células uma das outras, limitando o número de células disponíveis para agregação. Em microgravidade estes efeitos não ocorrem podendo tornar possível, no futuro, a produção de tecidos com estados de maturação mais semelhantes aos encontrados no corpo humano.

Combustão é a reação química auto-sustentável que libera uma considerável quantidade de calor. Para que ela aconteça é necessária a existência de três fatores: combustível, oxidante e ignição. Seu perfeito entendimento é importante para resolver problemas de poluição, aquecimento global, explosões, etc., e para otimizar processos de produção de energia, meios de transporte em geral e em propulsão de espaçonaves. A microgravidade pode ajudar a entender fenômenos de combustão relacionados à forças dependentes da gravidade, tais como fluxos convectivos e sedimentação.

A seqüência ao lado, obtida em um experimento a bordo na MIR, mostra a chama de uma vela queimando em microgravidade. A chama tem um comportamento diferente daquele na Terra, pois num ambiente microgravitacional não existem fluxos convectivos para transportar para o topo da vela os produtos mais quentes (menos densos) da combustão (dióxido de carbono, fuligem e vapor de água), formados na base da vela e, ao mesmo tempo, para precipitar os elementos mais frios (mais densos), como o oxigênio, para sua base. Em microgravidade o transporte dos produtos da combustão e dos oxidantes, ocorrem de forma muita mais lenta, através de processos de difusão molecular. O resultado é uma queima mais lenta, com a chama exibindo um formato mais esférico do que na Terra.

A pesquisa em física fundamental em ambiente de microgravidade, pode auxiliar o melhor entendimento de fenômenos básicos que ficam mascarados na gravidade terrestre. As principais áreas de pesquisa são a física da matéria condensada, física de baixas temperaturas, física atômica, e física gravitacional e relativística.
O espaço proporciona um ambiente livre vibrações sísmicas que podem prejudicar experimentos que necessitam de medidas muito sensíveis. Eliminando a aceleração da gravidade das equações que descrevem o movimento de átomos, por exemplo, os experimentos podem ser melhor entendidos e relacionados apenas às outras variáveis presentes. 
Um exemplo são as nuvens de átomos resfriados num estado chamado de condensação de Bose-Einstein, que ocorre quando suas temperaturas são abaixadas através da técnica de resfriamento por laser, que remove parte de suas energias. Os átomos movem-se mais lentamente e se rearranjam numa formação compacta.
Em microgravidade os átomos formam condensações de maior tamanho e podem ser mantidos neste estado por muito mais tempo do que na Terra, permitindo uma melhor observação de suas propriedades.

O desenho ao lado mostra a concepção do Satélite para Teste do Princípio de Equivalência (STEP). Ele carregará massas concêntricas na órbita terrestre para testar um princípio fundamental da teoria geral da relatividade, de que a massa gravitacional é equivalente a massa inercial. É a versão moderna da experiência de Galileu, que soltou duas massas diferentes simultaneamente do topo da torre inclinada de Pisa, para comparar suas acelerações. As massas de teste no satélite caindo ao redor da Terra, terão suas acelerações medidas com equipamentos muito sensíveis. A grande duração do tempo em microgravidade, ou em queda livre, permitirá medidas um milhão de vezes mais precisas do que as feitas hoje na Terra.